IMAGEM E SEMELHANÇA

"Imagem e semelhança do Amor"


"Deus é amor, e quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele" (1 Jo 4,16). Por meio destas palavras, João exprime, com singular clareza, o centro da fé, e também a imagem do homem e do seu caminho. Isto porque, confessar que Deus é amor, e acreditar neste amor, implica em reconhecer-se como participante deste "amor que vem de Deus" (1 Jo 4,7). Apesar da primeira Carta de João ser amplamente conhecida, e sua leitura comum nas comunidades, seu conteúdo tem sido mais discutido teologicamente, do que levado a práxis. O amor de Deus pela humanidade é uma questão fundamental para a vida e coloca questões decisivas sobre quem é Deus e quem somos nós. Durante toda a história da Igreja, teólogos, em todos os séculos, discutiam o mistério da Trindade. Concluíram que Deus é Amor, como afirma a primeira Carta de João, porém, deixaram uma lacuna. O homem sendo imagem de Deus, Deus sendo amor, o homem também é imagem do amor? Se partimos do pressuposto de que Deus fez o homem à sua imagem e semelhança (Gn 1,26), podemos reconhecer que o homem é, portanto, imagem e semelhança do Amor. Entretanto, qual é o papel da humanidade sendo imagem e semelhança de Deus? Que alterações essa concepção trás na vida dos fieis? Qual é o papel  da humanidade sendo imagem e semelhança de Deus-Amor?
            Partindo da analise do aspectos teóricos e práticos da Trindade Santa, limitando-se ao universo bíblico, podemos traçar alguns aspectos divinos, que examinados em concomitância com a Primeira Carta de João e sua definição de Deus, podem nos levar há algumas considerações a cerca do que se espera sendo imagem de Deus. Para tanto, é preciso estudar as figuras de Deus Pai (Javé), Deus Filho, (Jesus Cristo) e o Espírito Santo (Paráclito), individualmente e conjuntamente, assim como elucidar o aspecto amoroso de cada um. O que se espera, portanto, é entender como a humanidade pode espelhar a imagem e semelhança do Deus-amor.

            O tema da Salvação permeia toda a Bíblia. A questão da Salvação está em Gênesis, na própria criação do homem. Deus, o Criador de tudo, nos fez seres puros  (Gn 1,31) a sua "imagem e semelhança" (Gn 1,26), isentos de qualquer pecado, mas não incorruptíveis. Sendo puros, não havia pecado em nós até que Adão e Eva desobedeceram a Deus e pecaram comendo do fruto proibido. Com o pecado, o homem já não mais era puro, como Deus, porque em Deus não há pecado. Sendo o homem pecador, já não havia mais lugar para ele no Paraíso, na presença imaculada de Deus, assim foi expulso do Paraíso. Um dos primeiros sintomas do pecado estava no fato deles não conseguirem se manter diante da presença de Deus (Gn 3,8). Em seguida, quando Deus questiona Adão e Eva, ambos procuram se justificar, ao invés de se lamentarem e pedirem perdão (Gn 3, 11-13). O pecado, portanto, destruiu toda a paz e harmonia, gerando os primeiros conflitos e tensões generalizadas entre o Homem e Deus, entre o homem e a mulher, entre o Homem e as criaturas. Desde então, foi negado a humanidade o acesso ao Paraíso e a Árvore da Vida (Gn 3,23s), e  principalmente a perda da intimidade divina. A partir de então a Salvação se torna o futuro retorno da humanidade ao Jardim Celeste, onde está a árvore da vida (Ap 22,2).
            A grande Mensagem de Deus é  História da Salvação. Desde quando Deus se inseriu na história humana com a vocação de Abraão "a fim de fazer dele um grande povo" (cf. Gn 12, 2-3), de modo especial, houve a Promessa da Salvação e de um futuro Salvador. Para isso, ensinou, por meio de Moisés e dos profetas, a reconhecê-lo como único Deus vivo e verdadeiro, pai providente e justo juiz, e a esperar o Salvador prometido. Assim, escolheu um Povo e com ele fez uma Aliança. A Aliança ratificada pelo Povo no Sinai, é a prefiguração da "Nova Aliança" anunciada por Jeremias (31,31) que se cumprirá na "Santa ceia", mediante o cálice do sangue de Cristo derramado por todos nós (Lc 22,20). Esta Nova Aliança, é portanto, a participação do corpo e sangue de Cristo, via pela qual encontramos a Salvação.

            Jesus, a porta da Salvação

            Desde que Jesus começou sua pregação por volta do ano 30 da era cristã, este Jesus de Nazaré, cidade da Galiléia onde foi criado, arrastou em tono de si multidões. Numa atitude incomum em seu tempo, Jesus dedicou igual atenção às prostitutas, aos adúlteros, ladrões, e à odiada categoria dos cobradores de impostos, símbolo da dominação romana sobre  a Palestina.  Tinha Jesus, grande afeto pelos marginalizados,  que, pode ter sido um dos motivos para reunir e torno de si multidões, já que a Judéia estava repleta desses povos marginalizados. A Judéia, por sua vez, era uma província turbulenta, sob o domínio romano, que se destinava a governadores de baixa categoria, como Pôncio Pilatos, presente na crucificação de Cristo.
            Procedente do Norte rural de Nazaré, Jesus chegou à Judéia onde reuniu em torno de si uma comunidade de discípulos, um círculo reduzido com a missão especial de proclamar a chegada do reino de Deus sobre a terra, manifesta em sua própria presença e em seus ensinamentos. Os primeiros discípulos eram judeus devotos, que estudavam as figuras e imagens do Antigo Testamento, sobretudo a cerca do Messias, "Ungido" por Deus, Christos em Grego. Jesus se auto proclamava o Ungido de Deus, em certas frases se auto-intitulava o Filho de Deus. Os discípulos logo o reconheceram como o messias anunciado em textos do Antigo Testamento (como Isaías 53), e passaram a seguir seus ensinamentos, chamando-o de Rabbí (mestre). O próprio Jesus sendo judeu, nunca negou e opôs à Lei Judaica, pelo contrário, ele mesmo disse que não veio para "revogar a Lei ou os Profetas", "mas levá-los à perfeição" (Mt 5,17). Contudo, o alto clero saduceu, via uma incompatibilidade nas tradições da Lei, com os ensinamentos de Cristo. Enquanto que a lei dizia  "amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo", Jesus dizia "amai os vossos inimigo e rezai por aqueles que vos perseguem" (Mt 5,43-44).  Esta e outras divergências, culminaram com a crucificação de Jesus no monte chamado Gólgota. Mas sua morte não foi o fim, porque no terceiro dia, ressuscitou, como ele próprio havia predito, e cujos textos do Antigo Testamento diziam a respeito do Messias (Lc 24, 25-27). Com sua ressurreição, Jesus Cristo não só prova a sua divindade, quanto preenche de certeza seus discípulos a respeito da crença na vida eterna. A ressurreição de Cristo, portanto, torna-se o alicerce e o combustível dos primeiros cristãos a "evangelizarem" o mundo inteiro com a boa-nova, missão dada pelo próprio Cristo Ressuscitado em sua ascensão aos céus (Mc 16, 14-20).
            Sabemos que o anúncio do "evangelho" se deu primeiramente por via oral, onde a ressurreição era anunciada primeiramente. A Ressurreição de Cristo é o ponto central da fé cristã, porque, quem nela não crê, dela não participa (Jo 11,25). Paradoxalmente, a ressurreição é também a fonte de esperança do cristão, pois se ele espera com impaciência a transformação final de seu corpo de miséria em corpo de glória (Rm 8,22s; Fp 3,10s.20s.),  é porque ele já tem as garantias desse estado futuro (Rm 8,23). Tendo Jesus sido crucificado, Deus o ressuscitou e por ele trouxe a nós a salvação. Esse é o ensinamento de Pedro aos judeus (At 3,14s) e sua confissão diante do sinédrio (4,10), o ensinamento primordial dos primeiros cristãos. Tendo o Pai entregue "Seu Filho Único" (Jo 316), a ressurreição do Filho do Homem, sela o amor de Deus pela humanidade, pois Jesus "ressuscitou dos mortos como primícias do que morreram. Porque a morte veio por um homem e  ressurreição dos mortos veio por um homem também. Como todos morreram em Adão assim reviverão todos em Cristo" (1 Co 15,20-22). Jesus torna-se a porta (Jo 10,9) de acesso a Paraíso, ao Reino de Deus (Sl 118, 19-20).

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